29 de abril de 2013

O mega terremoto de LISBOA em 1755





Por
Paulo March
(Riva)








Para entendermos o significado do evento, precisamos entender primeiramente como era Lisboa nessa época, seu significado para o mundo.

Lisboa
Geográficamente era como hoje ... espalhada por sete colinas no litoral norte do rio Tejo, protegida do mar aberto. No porto, formidáveis navios de guerra e fragatas portuguesas, flotilhas de navios mercantes com bandeiras da Inglaterra (maior parceiro de Portugal na época), Países Baixos, França, Espanha, Dinamarca, Malta, Veneza e Hamburgo.

O comércio fervilhava em 1755, em função da era dos descobrimentos, e parecia um verdadeiro Eldorado devido ao ouro e diamantes trazidos do Brasil. John Wesley, clérigo inglês fundador do Metodismo escreveu na época “ que o rei tinha uma grande construção de diamantes e mais ouro estocado, em moedas e em barras, do que todos os príncipes da Europa juntos.”

Mas apesar de tudo isso, a maior parte de Portugal ainda vivia numa privação quase medieval. O rei, Dom José I, tinha direito a seu “quinto real” de todo o ouro e diamantes, e gastava generosamente o tesouro com a Igreja Católica e a família real. A nobreza portuguesa controlava os monopólios de importação, os ingleses o de reexportação.

Lisboa tinha seus palácios esplêndidos e sua igrejas forradas de ouro, o Tejo e as sete colinas davam-lhe uma singular beleza topográfica, mas o aspecto geral da cidade em 1755 era de deterioração e insalubridade. As ruas e vielas eram tortuosas e irregularmente pavimentadas, contaminadas por esgoto a céu aberto e com frequência impróprias para o tráfego de carruagens. E era considerado uma loucura aventurar-se a sair desarmado depois do anoitecer ...

Portugal não desenvolveu uma classe mercante e indústrias emergentes, e dessa forma, era incapaz de alimentar e vestir seu povo com seus próprios recursos. Tinha que importar produtos de primeira necessidade (como faz até os dias de hoje). Mas nada disso incomodava o rei, enquanto continuasse a abundância brasileira.

Mesmo com esses problemas, a vida em Portugal e em Lisboa era muito agradável para os padrões do século XVIII. Clima ameno, salutar, muitas chácaras, vinhedos e pomares, vinho barato e sardinhas em abundância.

Enquanto o restante da Europa era cativada pelo Iluminismo, tudo que era novidade, descoberta científica, pesquisas diversas, tudo era sufocado pela Igreja Católica, poderosa e arcaica. Se a mera quantidade de lugares santificados fosse tomada como medida, Lisboa em 1755 parecia o mais próximo que alguém podia chegar de uma Cidade de Deus terrena ! Era difícil dar um passo em Lisboa sem olhar para uma igreja, uma cruz à beira da estrada. Procissões eram corriqueiras.


Tribunal do Santo Ofício
A Igreja Católica era dona da maioria das terras e propriedades, e exercia um monopólio na educação, nos hospitais e nos tribunais do temido Santo Ofício da Inquisição ... governava a vida da maioria dos portugueses. Desde que se estabeleceu em Portugal (1536), o cheiro de santidade se misturava ao de carne humana queimada, e o resultado disso era um rebanho amedrontado e submisso.

E foi nesse cenário, numa linda manhã de sábado, Dia de Todos os Santos, em 1º de novembro de 1755 às 9:45h, com as igrejas repletas, com os sinos convocando os fiéis, que tudo aconteceu. Simplesmente uma das festas mais solenes do calendário litúrgico.

Os sismólogos de hoje estimam a magnitude em M=9 (escala de Mercalli ), que equivale entre 7 e 8 na atual escala Richter  (http://www.geomundo.com.br/meio-ambiente-40113.htm). Mas o epicentro foi a apenas 67 km da costa. Aproximadamente 60.000 pessoas perderam a vida nesse dia. Atingiu também o sul da Espanha e o norte da África.

Terremoto
Foram 3 abalos muito fortes. O segundo o mais forte de todos. O terceiro já encontrou a cidade desmoronada. Em menos de 15 minutos a natureza – ou aos olhos dos fiéis de Lisboa, um Deus furioso – conseguira destruir a maior parte do que o homem levara séculos para erguer.

E para desespero dos sobreviventes, o rio Tejo que naquele local tem cerca de 6 km de largura, se eleva e aumenta de volume de maneira inexplicável, sem nenhuma força de vento....e adentra o rio um mega tsunami espumando em direção à margem.

Tsumani
Três tsunamis atingiram a ribeira do rio Tejo, 90 minutos depois do início dos terremotos, e arrasaram o que restou de Lisboa em 5 minutos. Segundo testemunhas e relatos, a força das ondas era tal que afundou quase todos os navios no local, varreu os armazéns repletos de mercadorias e afogou uma multidão incontável de pessoas, que não entendiam o que estava acontecendo. Uma incrível fenda se abriu sob um dos cais do porto, sugando o que estava na superfície, para desespero e incompreensão de quem assistia aquilo tudo.

Um relato, documentado :

O Paço da Ribeira, o palácio do rei, à beira do rio, estava em ruínas, assim como a Casa da Índia, a Alfândega, a Casa da Ópera e – para grande satisfação dos protestantes, judeus e livres pensadores – o Palácio de Estaus, sede da Inquisição. Mais de vinte igrejas paroquiais foram completamente destruídas, assim como alguns dos maiores conventos e mosteiros. Grande número de palácios particulares e residências, lojas e armazéns, hospícios e mercados foram arrasados. Mas as estruturas que mais sofreram foram, como seria previsível, as habitações humildes, sem falar nos casebres, da classe trabalhadora e pobre da cidade ; estes estavam reduzidos a montes de pó, sem qualquer esperança de reparo. A cidade não parecia Lisboa, mas uma versão deturpada por um pesadelo.

Terremoto
Mas o terremoto era apenas o prelúdio ... quando as nuvens de poeira e cal se dissiparam, a luz da manhã revelou uma cidade em chamas. As velas que tinham iluminado os altares de Lisboa e as fogueiras bem abastecidas que queimavam em milhares de lareiras e fornos pela cidade agora se espalhavam sem controle. Para piorar, a brisa da madrugada viria se transformar em violentas rajadas e atiçar as chamas. A cena do cais era de desespero, com os sobreviventes se amontoando, seminus, em estado de choque, brigando por um lugar em qualquer embarcação que flutuasse, tentando fugir do caos. E em meio a isso tudo, os padres circulavam pela multidão exortando o povo a se arrepender e oferecendo bençãos apressadas ; muitos se ajoelhavam, batiam no peito e se lamentavam :

Misericórdia, meu Deus !

Marquês de Pombal
Aqui cabe uma importante observação : quando chegaram as notícias da devastação, o rei D. José I, que estava em Belém, onde os estragos foram muito menores, fica desnorteado sem saber o que fazer. E é quando surge um histórico diálogo entre ele e um dos seus secretários, Sebastião José de Carvalho e Melo (que ficou conhecido na história como o Marquês de Pombal) :
- O que deve ser feito para enfrentar esta imposição da justiça divina ? – perguntou o rei.
- Enterrar os mortos e alimentar os vivos – respondeu Carvalho.

Sobre o Marquês de Pombal, pretendo escrever um capítulo à parte, tendo em vista ter sido ele o responsável pela retomada da ordem em Lisboa em meio ao caos, e também responsável direto pela reconstrução de Lisboa, como a enxergamos hoje diante de nós. Uma figura super questionada pelo que realizou e por suas atitudes, e que merece uma análise profunda.


A reconstrução de Lisboa obedeceu um rigoroso, longo e detalhado planejamento, que envolvia novos critérios de arruamento, construtivos, gabaritos, imposições, etc. Foram muitos anos de trabalho incansável.

Para “tentar” finalizar esse post sobre esse impressionante evento, gostaria de expor algumas observações que julgo muito importantes.

O terremoto de Lisboa marcou o mundo ocidental tanto por causa da perda material e humana (a cidade foi pulverizada) como da época histórica e do lugar em que a calamidade ocorreu. Semanas e meses se passaram até o mundo saber dos detalhes.

Um desastre natural de tais proporções jamais tinha atingido a Europa, muito menos uma capital cosmopolita e um porto tão movimentado como o de Lisboa, nessa época. Se a calamidade tivesse ocorrido em outro dia qualquer, não teria dado origem a um debate filosófico e teológico tão profundo, como o que ocorreu logo depois.

Os desastres naturais nos revelam muitas coisas ... pela maneira como uma sociedade interpreta uma catástrofe e responde ao caos, expõem-se muitas das verdades não questionadas, preconceitos, esperanças e medos de uma cultura repentinamente confrontada com a ruína ( Haiti, recentemente).

No caso de Lisboa, em 1755, esse evento revelou uma sociedade local arraigada firmemente nas antigas verdades absolutas de Deus, do Homem e da Natureza. Depois do terremoto, Deus deixara de ser justo e a Natureza de ser beneficente; e todos tiveram que reavaliar seus dogmas .... acho que ficaram mais sábios.

Séculos se passaram desde esse grande evento, mas a humanidade nunca conseguiu excluir completamente Deus do palco dos desastres naturais.

Dos registros: em entrevista à uma TV da Arábia Saudita, o ministro da Justiça local explicou assim o tsunami da Ásia de 2004 : “ quem quer que leia o Corão, outorgado pelo Criador do Mundo, pode ver como essas nações foram destruídas. Há uma razão : elas mentiram, pecaram e são infiéis. Quem quer que estude o Corão pode ver que esse é o resultado”.

Essa noção de um Deus furioso não está limitada ao mundo islâmico. O arcebispo aposentado de New Orleans, Philip Hannan, disse “ somos responsáveis pela atitude sexual, pelos desrespeitos aos direitos da família, pelo vício das drogas, pelo assassinato de 45 milhões de futuras crianças, pelo comportamento escandaloso de alguns padres. Então temos que entender que o Senhor tem direito de aplicar um castigo (...).” E o castigo veio na forma do Katrina.

Se o terremoto de Lisboa de fato oferece uma lição para o que enfrentamos hoje, essa lição é a de que o homem está no centro de nossa resposta ao desastre natural, e não a providência, a metafísica ou a ira de um Deus vivo.

Você concorda ? O debate está aberto ....

- Imagens do Google Images

11 comentários:

Jorge Carrano disse...

Deus acabou envolvido neste fenômeno da natureza, provocando debates entre teólogos e filósofos.
Um dos clássicos é o poema do iluminista Voltaire, abaixo transcrito:

“Ó infelizes mortais, ó terra deplorável.
Ó ajuntamento assustador de seres humanos! Eterna diversão de inúteis dores!
Filósofos alienados que proclamam: — tudo vai bem. Venham contemplar essas ruínas horrendas, esses destroços, esses farrapos, essas cinzas malditas, essas mulheres e essas crianças amontoadas sob mármores partidos, seus membros espalhados.
Cem mil desafortunados que a terra devora, que sangrando, dilacerados, e ainda palpitando, enterrados sob seus tetos, sucumbem sem socorro, no horror de tormentas findando seus dias!
Diante dos gritos de suas vozes moribundas, do horror de suas cinzas ainda crepitantes, vocês dirão: é a consequência de leis eternas que um Deus livre e bom resolveu aplicar?!
Vocês dirão, vendo esse amontoado de vítimas: Deus vingou-se, e a morte deles é o preço de seus crimes?!
Que crime, que falta cometeram essas crianças esmagadas e sangrentas sobre o seio materno? Lisboa, que não mais existe, teria mais vícios que Londres, que Paris, submersas em delícias?
Lisboa está destruída e dança-se em Paris.
Espectadores tranquilos, intrépidos espíritos, contemplando a desgraça desses moribundos, vocês procuram — em paz — as causas do desastre: Tudo vai bem — dizem vocês — e tudo é necessário.
Por acaso o universo, sem esse abismo infernal, sem submergir Lisboa, estava sendo pior?”
Poème Sur Le Désastre de Lisbonne (Poema Sobre o Desastre de Lisboa) Voltaire.

Gusmão disse...

E tem o paradoxo de Epicuro:

"Ou Deus quis impedir o mal e não pode, ou pode e não quis. Ou mesmo nem quis e nem pode. Se quis e não pode, não é Deus; se pode e não quis, não é bom. Se quer e pode, qual a origem de todos os males?"

Abraços

Jorge Carrano disse...

Se o assunto fosse futebol já teríamos vários comentários, como o assunto é mais sério todos (menos o Gusmão) se calam.
Pelo menos até agora.

Freddy disse...

Eu não tenho conhecimento para analisar os desdobramentos sociais e religiosos das grandes tragédias, naturais ou provocadas pelo homem. Pecadores e inocentes pagam igualmente, demonstrando a insensibilidade da Natureza, ela também vítima do acaso estatístico.

Juntaria duas frases, que penso sintetizar o que sinto ao ler o episódio:
"Depois do terremoto, Deus deixara de ser justo e a Natureza de ser beneficente"
"Lisboa está destruída e dança-se em Paris"

Temos de torcer para não estar no lugar errado na hora errada.
Apenas isso.
=8-/
Freddy

Freddy disse...

O Vasco se safou de boa. Ia estar no lugar ou do Voltaço ou do Resende...
<:o)
Freddy

Jorge Carrano disse...

Bem observado, Freddy. Escapamos do vexame.

Jorge Carrano disse...

Caro Paulo March,
Tendo como cenário a destruição de Lisboa, e em função dele, houve conflito de ideias entre dois respeitáveis pensadores: Rousseau e Voltaire.
De qual dos dois você mais se aproxima filosoficamente?

Riva disse...

Prezados, esse assunto é profundo. Vou "groká-lo" e responderei à noite ...aqui no trabalho é impossível sequer pensar no assunto .. rsrsrs
Até mais tarde.

Riva disse...

Prezado amigo .... acho que me aproximo um pouco de cada um ... o liberalismo de Voltaire e sua volúpia contra a intolerância religiosa, e a verdade de Rousseau sobre a natureza do homem, suas sensações, seus desejos, e tão somente isso importava.

Queria registrar aqui o que tenho escrito por Voltaire, 1 dia depois de tomar ciência do terremoto e sua grandiosidade:

"Esta é sem dúvida uma peça cruel de filosofia natural ! Será difícil descobrirmos como operam as leis do movimento em semelhantes desastres terríveis no melhor de todos os mundos possíveis - onde 100 mil formigas ( Freddy, isso te lembra alguma coisa?), nossas vizinhas, são esmagadas em um segundo em nossos formigueiros, e metade delas morrendo em agonias indescritíveis, debaixo de entulhos dos quais era impossível libertá-las, famílias por toda a Europa arruinadas, e as fortunas de centenas de comerciantes - suíços, como vós - engolidas nas ruínas de Lisboa. Que jogo de azar é a vida humana ! Que irão os pregadores dizer - especialmente se o Palácio da Inquisição for deixado de pé (mas não foi)! Quero acreditar que aqueles reverendos padres, os inquisidores, tenham sido esmagados como quaisquer outras pessoas. Isso deveria ensinar os homens a não perseguir outros homens : porque enquanto alguns santarrões embusteiros queimam alguns fanáticos, a terra se abre e engole a todos igualmente."

Houve, na oportunidade, um duelo entre Voltaire e Rousseau, troca de cartas, etc, sobre o evento. Mas acho que CANDIDO, publicado em 1759, resume de forma massacrante todo o seu pensamento sobre o homem e sua relação com seu destino, com a natureza, com o Deus de cada um. Voltaire x Metafísica.

O assunto é extremamente profundo, e na verdade, minha intenção era, além de marcar o evento que destruiu uma megalópole do século XVIII, cutucar cada um de vcs sobre a justiça divina, aquela de cada um de nós, em seu entendimento pessoal.

A reconstrução de Lisboa é um capítulo à parte, impressionante, que pretendo postar, em detalhes, tamanha foi sua engenhosidade. Mas também, só foi possível graças à mão de ferro de um comandante. Se fosse depender de comitês, opinião pública, ouvir a população, nada teria sido feito ...... e aí nos deparamos com o fantasma da democracia, e com a observação do francês da FIFA sobre o tema, recentemente.

Anônimo disse...

E Kant? Esqueceram?

Riva disse...

Kant surgiu no cenário filosófico bem depois de 1755.

Aliás, estou relendo O MUNDO DE SOFIA !! Julguem-me rsrsrsrs !