10 de agosto de 2014

Homenagem aos pais






Por
Paulo Ricardo March
(Riva)







Meu pai, Fred, foi um daqueles seres de LUZ que passam por aqui entre nós de vez em quando.


Devido à precoce doença de nossa mãe (ficou cega), ele passou a se dedicar a dar qualidade de vida a ela, e por isso nosso convívio infelizmente não foi pleno em todas as situações da minha infância e adolescência. Ele lia livros e mais livros diariamente para ela, ia ao cinema com ela, fazia compras com ela, uma dedicação impressionante.

E por tudo isso, abrindo mão da sua carreira profissional, de uma vida social normal, impossibilitado até de curtir plenamente seus netos(as), quando nasceram.

Mesmo assim, encontrava tempo para me ensinar Matemática, e “tomar” minhas lições de Geografia, História e Ciências. Essas matérias primavam pela necessidade de memorização de datas e outras informações – a famosa decoreba. E ele me ensinou um método para isso, e me cobrava, me treinava. 

Até hoje, sexagenário, sei várias coisas decoradas : as preposições, afluentes das margens erquerda e direita dos principais rios do Brasil, capitais de dezenas de países, etc. Bem, a taboada foi a 1ª árdua missão !! rsrsrs.

Nunca levantou a voz para mim, em situação nenhuma. Nos momentos mais “críticos”, falou pouco para mim, mas com imensa sabedoria. Mas só percebi tudo isso, ou seja, o que ele era e o que representava, bem mais tarde. 

Devido a todo esse cenário, fui criado por minha avó materna, que morava conosco, e como eu era “levado da breca”, minha mãe mesmo cega, brigava muito comigo. Não nos entendíamos muito bem. Até nisso meu pai intercedeu positivamente, mas depois de falecido. Sim, com sua morte, minha mãe se aproximou muito de mim, eu já com 30 anos de idade. Conversamos muito, tudo o que não conversamos durante todos os anos anteriores.

Vou deixar aqui pra vocês (não foi escrito por mim) o que resume bem o significado do meu pai para mim. Tudo ficou muito nítido para mim, infelizmente depois que ele se foi, prematuramente, aos 63 anos. Artur da Távola escreveu isso para o jornal O GLOBO, logo depois da morte dele ...



Artur da Távola
A perda do pai: quem sabe vivenciá-la? Como aceitar mortal e falível aquela pessoa grande, capaz de conseguir o universo, logo ele, o provedor, abridor de caminhos pelos quais começamos a passar medrosos? 

A perda do pai é a retirada da rede protetora no momento do salto. E há que saltar. É o roubo feito no exato momento em que estávamos a descobrir o melhor do mundo. 

A perda do pai é a entrada no lugar-comum, é começar a ser igual a todos os que a sofrem, a ter os mesmos medos, as mesmas frases. É voltar a se emocionar com o que se desprezava: datas, pequenas lembranças, objetos, palavras e até com as manias dele que nos irritavam.
A perda do pai é o começo do balanço da própria vida, porque, enquanto vivia, era mais fácil nele descarregar alguns fracassos e culpas.

A perda do pai é o início da significação. As palavras começam a fazer um estranho e novo sentido. 

A perda do pai começa a nos ensinar o valor do tempo: o que não fizemos, a visita deixada para depois, o gosto adiado, a advertência desdenhada, o convite abandonado sem resposta, o interesse desinteressado...tudo isso volta, massacrante, cobrando-nos o egoísmo.

Nosso primeiro exame de consciência verdadeiro começa quando o pai morre. Nosso encontro com a morte inaugura-se com a dele. Nossa primeira noite sem proteção consciente, dá-se quando ele já não está. E nunca somos mais sós que na primeira noite em que já não o temos.

O pai é o mistério enquanto vida e a revelação depois de morto. Num segundo, entendemos tudo o que, durante a vida, nele nos parecia uma gruta de mistérios. Seus objetos ganham vida, suas comidas preferidas passam a ter mais gosto, suas frases adquirem o sentido que só o tempo e a repetição outorgam às coisas.

A perda do pai dói muito! Isso é tudo. Para que querer saber por quê? O pai é o eu no outro. É dois em um, santíssima dualidade a proclamar o mistério e a glória de existir, dívida que com ele temos, sem nunca conseguir pagar, o que o faz por isso mesmo, sempre, muito melhor do que nós... 


Nota do editor: foram desafiados os seguidores do blog, para que fizessem comentários sobre seus pais em particular, ou sobre o papel de todos os pais, no geral. O melhor comentário seria transformado no blog do Dia do Pais.

O Riva, com suas próprias palavras produziu uma bela homenagem ao seu pai. E ainda lançou mão do auxílio luxuoso de Paulo Alberto Moretzsohn Monteiro de Barros, mais conhecido por Artur da Távola, para enriquecer seu texto.

Não tinha como deixar de ser o escolhido. Valeu, Riva!

O texto de Artur da Távola é encontrável, entre outros, no seguinte sitio: http://www.riototal.com.br/coojornal/arturdatavola065.htm

2 comentários:

Ana Maria disse...

Linda homenagem, Riva. Nem precisava do texto do Arthur da Távola (que admiro muito).

Jorge Carrano disse...

Endosso a opinião da Ana Maria, caro Riva.
E tanto é verdade que foi o seu comentário no domingo anterior que se transformou no post do Dia dos Pais.