9 de outubro de 2017

Saturação, desânimo e desilusão

Foram exatos setenta anos até que eu atingisse o ponto de saturação. Aos sete anos fiz minha opção pelo Vasco da Gama, que nas décadas de 1940 e 1950, era um clube respeitado no Brasil e no exterior, grande vencedor, com estádio próprio, construído com doações de sócios e torcedores, e que foi durante muito tempo o palco de apresentação da seleção nacional e de muitos eventos políticos.

Lá, em São Januário, Getúlio Vargas discursava no 1º de maio - Dia do Trabalho  - e anunciava direitos sociais para aos trabalhadores.

Para não perder a oportunidade, vou contar uma piada então corrente.

Antes preciso recapitular que no pós-guerra o Brasil recebeu muitos imigrantes vindos de Portugal e dos Açores. Como muitos dos portugueses embarcavam em porto localizado na Galícia, já na porção espanhola da Península Ibérica, nós chamávamos estes lusitanos de galegos.

A grande maioria das padarias, armazéns e bares pertencia a portugueses. Chegava um, trabalhava como um mouro e depois trazia os parentes. As “cartas de chamada” permitiam a vinda de parentes, com emprego assegurado, no comércio do patrício, o que facilitada o visto de entrada e obtenção da carteira de estrangeiro.

Com efeitos estes imigrantes portugueses trabalhavam duramente, abrindo seus estabelecimentos nas primeiras horas da madrugada e mantendo-os em funcionamento até o início da noite. Os bares ficavam até tarde da noite. Ou seja, eles trabalhavam mesmo. Tios meus, portugueses – João e Manuel – eram proprietários de padaria e armazém.

O armazém do tio Manuel ficava no Grajaú, na Ria Borda do Mato; e a padaria do tio João ficava na Rua Frei Caneca, próximo ao Campo de Santana.

Getúlio começava seus discursos invariavelmente da seguinte forma: “Brasileiros, trabalhadores do Brasil ....”.

A piada que fazíamos a boca pequena era de o presidente se referia primeiro aos brasileiros e depois, em seguida,  aos portugueses porque estes eram realmente os trabalhadores do Brasil.

A colônia portuguesa, numerosa, torcia pelo Vasco, claro. Mas não foi por isso que elegi o clube como meu preferido. Foi pelas conquistas dentro dos gramados e fora deles. Clube pioneiro ao admitir negros em seu elenco, acabou por conquistar o coração do pessoal do samba.

Eu tinha sete anos de idade e Barbosa, Ademir, Danilo e outros grandes jogadores que acabaram por envergar a camisa da seleção brasileira em 1950, levaram-me a fazer a opção. Claro, torcer por vencedores é sempre mais gratificante e mais fácil.

Durante este longo período de setenta anos, assisti ao vivo, e em filmes e vídeo tape, grandes futebolistas. Zizinho, Puskas, Di Stefano, Pelé, Garrincha, Ronaldo (o fenômeno) e Maradona,  e mais recentemente Messi e Cristiano Ronaldo. Acompanhei a conquista de cinco Copas Mundiais, vários Sul-Americanos e outros títulos menos expressivos.

Fui levado por meu pai ao Maracanã, no inesquecível 6X1 sobre a Espanha e engrossei o coral (152.772 torcedores) que entoou "Touradas em Madrid": "eu fui as touradas em Madrid, pararatibum, bum, bum..." Maravilhado com Friaça, Zizinho (um gol), Ademir (dois gols), Jair (um gol) e Chico (dois gols), para falar apenas do ataque.

Assisti ao Expresso da Vitória, ao Expressinho e ao Trem Bala da Colina. Grandes equipes do Vasco, que nos orgulhavam. Era um futebol  semiamador. A maioria dos atletas nutria amor pela camisa que envergavam.

A sala de troféus do clube é rica em taças nacionais e internacionais.

Depois vivi o amargor de três rebaixamentos. E suportei, com o coração partido, alimentado pela esperança de que sairíamos das cinzas para voos mais altos. Debalde.

Acompanhei o Vasco em vários estádios no Rio de Janeiro, nos jogos pelo Campeonato Carioca, que era o mais importante do país (afinal do Rio de Janeiro era a capital federal). Até mesmo nos chamados alçapões: Olaria, na Rua Bariri; Bonsucesso, na Av. Teixeira de Castro; Madureira na Rua Conselheiro Galvão; América, na Av. Campos Sales; Bangu, em Moça Bonita e, claro, Canto do Rio, Caio Martins.

Ao Maracanã fui dezenas de vezes para ver  o Vasco, e principalmente a seleção brasileira. Passei sufôcos como no Brasil X Paraguai pelas eliminatórias da Copa de 1970; e no jogo de despedida do Pelé. Frequentei as arquibancadas, a geral e cadeira cativa (cortesia do Mário Coelho da Silva, meu chefe na Fiat Lux, sócio do Vasco e concunhado do Ademir Menezes).

O espetáculo de bandeiras desfraldadas, das serpentinas atiradas, dos cantos e vivas com aplausos é inesquecível.

Hoje, Neymar vale (vale?) quase um bilhão de reais. Os elencos do PSG, do Real Madrid, do Barcelona, do Bayern de Munique, do Manchester City, do Manchester United, atingem cifras indecentes, indecorosas. O futebol virou um grande negócio, os clubes já são tratados como marcas.

As arenas são cada vez maiores e mais confortáveis, contando com restaurantes, bares, butiques e área de recreação infantil. Novos uniforme são vendidos  aos milhares, em lojas  dos próprios clubes.

E ainda tem a receita, nada desprezível, dos naming rights das arenas.

As emissoras de TV pagam fortunas pelos direitos de transmissão. O esporte movimenta bilhões de dólares em todo o mundo. Novos mercados, como dizem agora, estão franca expansão: China, USA, Catar, e outros menos endinheirados.

Em contrapartida a movimentação dos jogadores cria situações constrangedoras. Eles hoje beijam um escudo e amanhã outro. Este outro poderá ser até de um rival histórico. Neste momento o Liverpool, da Inglaterra, e o Barcelona, da Espanha, travam uma batalha pela contratação do brasileiro Philippe Coitinho. Um leilão que atinge cifras absurdas. E agora consta que o PSG vai entrar na disputa pela contratação do jogador. Quem dá mais?

No passado aconteciam casos semelhantes, mas que eram muito menos frequentes: Zizinho deixou o Flamengo trocando-o pelo Bangu, por dinheiro. Afinal a família Guilherme da Silveira tinha muita grana.

Houve outros casos de trocas de clube, mas com jogadores já quase em final de carreira (Rubens no Vasco, por exemplo). No Brasil Pelé jogou em um só clube. Zico também. Rogério Ceni idem.

Este excesso de competições, levaram à saturação. São tantas as competições, nacionais e internacionais, eu os clubes acabam por privilegiar a participação em uma em detrimento de outras julgadas menos rentáveis. Um clube carioca poderá ter que disputar ao longo de uma temporada várias competições, algumas simultaneamente, como o Campeonato Carioca, a Copa do Brasil, o Campeonato Brasileiro, a Taça Primeira Liga, a Copa Libertadores.

É muito futebol programado e pouco em campo. Em certas épocas do ano, se acompanhamos campeonatos europeus, nacionais ou internacionais, ficamos saturados com futebol todos os dias da semana; Na Inglaterra além da Premier League, tem as duas Copa (da Inglaterra e da Liga). E tem a Copa do Campeões (Champions League) e a Copa da Europa (com clubes que não disputam a Champions). Assim como acontece na América, onde temos a Libertadores e a Copa Sul-Americana.

E tem a Eurocopa, entre seleções europeias, tem as eliminatórias para a Copa do Mundo, tem futebol todos os dias e todos os horários. É só ligar a TV por assinatura.

Muito interesse financeiro, muito mercenarismo, muita maracutaia, muita decisão em tribunais, enfim ... basta!

E ainda vem por aí a utilização de meios eletrônicos para decisões nas quatro linhas. Não demora e a bola de jogo deixará de ser redonda.

Assim como deixei o cigarro e afastei-me do Whisky, vou conseguir libertar-me do futebol. Fui tão viciado que ia assistir jogos dos campeonatos de São Gonçalo, onde meu pai foi presidente do Carioca,  e de Niterói, onde ele presidiu o Sepetiba. Para minha tristeza ambos rubro-negros.


Parava durante as caminhadas no calçadão, para assistir um pouco das partidas disputadas na areia. Ainda tem jogos aos domingos, com os veteranos barrigudos correndo atrás da bola. O futebol era como um vício.

Assistia por amor ao clube ou a seleção, com grande componente de paixão. Mas assistia também por amor à arte. Como se estivesse num teatro. Para ver grandes jogadas, matadas de bola, gols antológicos. Mas e as outras coisas prazerosas? Estavam sendo negligenciados outros interesses até mais nobres. Não, para mim chega.

Assim como deixei o cigarro e afastei-me do Whisky, vou conseguir libertar-me do futebol. Fui tão viciado que ia assistir jogos dos campeonatos de São Gonçalo, onde meu pai foi presidente do Carioca,  e de Niterói, onde ele presidiu o Sepetiba. Para minha tristeza ambos rubro-negros.

Joguei (mal) em gramados e em quadras, quando estudante. E gostava de jogar, compensando a pouca técnica com muita disposição. Estão aí, felizmente, muitos amigos contemporâneos que não me deixarão mentir sozinho.

Parava durante as caminhadas no calçadão, para assistir um pouco das partidas disputadas na areia. Ainda tem jogos aos domingos, com os veteranos barrigudos correndo atrás da bola. O futebol era como um vício.

Ficarei doravante só nas manchetes.  Alguém tem um bom livro para recomendar?


Nota do autor: depois de ler o post e acessar o website profissional (abaixo), é legítimo supor que estou me despedindo do mundo. Ledo engano, agora é que vou começar a viver.
www.carrano.adv.br

2 comentários:

Riva disse...

Primeiramente, parabenizo o amigo por sua trajetória profissional, regada a conhecimento, equilíbrio profissional e ética.

Segundamente (onde já ouvi isso ?), parabenizo-o por conseguir parar.

Terceiramente, o "ficar doravante só nas manchetes" significa não escrever mais posts no GE, ou minha leitura está equivicada ?

Quartamente, sim, recomendo um bom livro : HOMO DEUS, uma breve história do amanhã, de YUVAL NOAH HARARI. Ainda não terminei de ler ... é o mesmo autor de SAPIENS, uma breve história da humanidade.

PS: nesse início de período sabático, aproveite a emocionante 2ª Fase das Eliminatórias Européias para a Copa do Mundo 2018 (mata-mata com 8 países para 4 classificações), bem como a reta de chegada do BR 17, que promete muitas emoções !!




Ana Maria disse...

Não levo a sério atividade em que os participantes motivem-se por dinheiro.
Ao ouvir denúncias de jogos combinados, resultados "entregues", não havia como me envolver emocionalmente.
Gosto da Fluminense até a pagina 2. Se ganhar fico feliz e aproveito para zoar os flamenguistas. Se perder ligo o "dane-se" e acato esportivamente as gozações dos adversários.